sábado, 6 de outubro de 2012

Crise Portuguesa à lupa

Portugal vive uma crise muito própria, que veio ao de cima num contexto de crise mundial. Pode dizer-se que houve um conjunto de decisões falhadas que provocaram o desastre. Deixa-se já aqui uma nota inicial, Portugal não é sequer autossuficiente na produção alimentar, o que num caso extremo de saída em rutura do euro poderia significar fome.

Portugal sempre foi um país periférico, não só em posição geográfica, mas também no ritmo de desenvolvimento europeu. Talvez possamos ligar isso a um período histórico de grande estagnação, aliás, o estado novo foi o regime autoritário mais duradouro de toda a Europa ocidental no século XX. De facto, este período atrasou Portugal e quando aconteceu a revolução a corrida já ia a meio. Portugal vê-se então livre do estatismo protecionista mas perde o mercado colonial.

Outro momento importante foi a entrada na Comunidade Económica Europeia (atual União Europeia). Foi um processo moroso, as negociações decorreram entre 1977 e 1985, período em que Portugal foi obrigado a acordos com o FMI por duas vezes. Momentos em que o país recorreu a avultados empréstimos externos e foi necessário controlar o défice. Findo este período de instabilidade, deu-se o passo decisivo para o país poder abandonar a espiral descendente. Em grande desigualdade com o resto da comunidade, dá-se uma importante viragem no tecido empresarial português. Os processos de liberalização e de reprivatizações desenvolvidos com vista a adaptar a economia portuguesa às normas comunitárias e o crescimento dos fluxos financeiros provenientes da UE (crescimento limitado pelas exigências de controle das despesas do Estado, geralmente comparticipante nos projetos financiados pela UE), aceleraram e aprofundaram as transformações económicas e sociais. Foi o período de maior convergência entre Portugal e a Europa desenvolvida, chegando o diferencial de crescimento anual do produto per capita entre Portugal e UE15 a chegar a mais de 5%.

Olhando agora o momento crítico para a economia portuguesa, a adoção da moeda única. Foi um dos passos mais importantes no plano da globalização, e efetivamente reforçou o poder do velho continente no novo mundo. Poderá ser mesmo decisivo num futuro comandado por países maiores que continentes. Ainda assim, o processo teve contornos que suscitam discussão, principalmente em Portugal em que o ajustamento foi complexo e dotado de erros estratégicos. O reflexo imediato foi a inversão da tendência de convergência, houve de facto um decréscimo no crescimento que se observou até aqui. Analisando as causas, foi, desde logo, percetível o aumento de preços generalizado. Esta inflação foi superior à generalidade dos principais parceiros comerciais portugueses, que estão no seio da UEM (União Económica e Monetária), o que impediu que fosse possível manter uma posição competitiva sustentável, funcionando como um aumento da taxa de câmbio real. Acresceu a este facto, a tendência de apreciação da taxa de câmbio do euro face aos mercados de exportação portuguesa, externos à UEM, o que seria mais um entrave para as exportações do país. Tudo isto significava que Portugal estava menos competitivo e as suas exportações espelharam isso mesmo, até 2007 perdeu consecutivamente quota de mercado.

Outro fenómeno importante foi a descida generalizada das taxas de juro. A restrição financeira diminuiu consideravelmente e o endividamento fácil e a baixo custo proliferou. O resultado foi uma expansão do consumo público e privado, muito mais dinâmico que o investimento e sem a correspondência necessária nos rendimentos do estado e das famílias. Facilmente se comprova isso pelos níveis de endividamento das famílias, largamente incentivado pelo sistema financeiro, fixando-se em 25% (20% crédito habitação e 5% consumo) do rendimento disponível, antes da entrada no euro, situando-se, em 2010, nos 145% (105% crédito habitação e 40% crédito ao consumo). Na verdade este foi o principal problema, a falta de estratégia no investimento. Observou-se um ganho de poder na intervenção do sector público na economia, no entanto, sem definir uma direção clara na afetação dos recursos. A dimensão das atividades de bens e serviços transacionáveis viram uma redução do seu peso no PIB, nomeadamente cadeias industriais da floresta e do têxtil, evidenciando-se a construção e o imobiliário como as mais fomentadas. Claro que aqui não se levantam somente questões de investimento e regulação pública. O tecido empresarial português ressentiu-se também das limitações supracitadas do próprio país em matéria económica. Importa também olhar o ritmo acelerado de crescimento das economias emergentes na última década e como este estimulou os fatores concorrenciais, como sejam a inovação e a eficiência. Todos estes factos interligados impunham um ganho qualitativo significativo para que tecido empresarial português progredisse ao ritmo exigido pela concorrência internacional. Isso não aconteceu e, atualmente, um dos mais sensíveis problemas da sociedade portuguesa e o reflexo desse défice é o desemprego. A taxa era de 4% em 2000, sendo que o governo, ainda esta semana, reviu em alta a sua previsão para 2013 e coloca-a nos 16,4%.