quinta-feira, 15 de novembro de 2012
Manif
Estás na rua com medo, há caixotes do lixo a arder, pedras e garrafas a voar. Estás nas imagens que costumas ver nos noticiários que o teu pai, religiosamente, insiste em não perder. E, enquanto almoça ou janta, mastiga sempre as mesmas palavras, este país nunca há de mudar, estávamos bem era no Brasil. Dás um salto para trás quando rebenta um petardo mesmo à tua frente, sentes um zumbido estridente a ecoar e a abafar o mundo à tua volta. Um velho agarra-te no braço e pergunta-te se estás bem, não ouviste, mas percebeste nos lábios engelhados pela saudade de outros tempos. Isso disse-te ele a seguir, que no tempo dele havia ideais e se lutava por eles. Hoje, há uns tipos de fato e gravata que acham que pertencer ao governo é ser estadista. E era um líder que nós precisávamos, rijo como antigamente, um Lula tuga. Tu anuías à lição histórica e ouviste até ao fim. Quando o velho se cansou do teu silêncio disse, já vi que estás bem, vou-me embora que isto ainda vai dar para o torto. Aí disseste-lhe que também ias, tinhas vindo manifestar-te de cara destapada, atirar palavras que mostrassem que existes, acima de tudo, não dar razão ao teu pai. No dia seguinte, quando chegaste à cozinha para almoçar, a televisão estava ligada como sempre. As imagens mostravam a manifestação de ontem e a polícia a carregar sobre os manifestantes. O teu pai, enquanto te servia o resto da sopa, era o que tinham, disse, que vergonha de país.