terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Que futuro para o trabalho em Portugal?

Já era sabido, pelo menos por quem quisesse saber, que a entrada de Passos Coelho iria trazer para este país as ideias neoliberais que desde há uns anos para cá começam a tomar de assalto a Europa. E realmente ninguém pode acusar o nosso caro Primeiro-Ministro de não mostrar trabalho nessa matéria, tantas são já as medidas anunciadas para 2012.

O grande problema é que poucas ou nenhumas têm impacto positivo na economia, e praticamente todas têm efeitos destruidores para as famílias menos abastadas deste país, sugando os poucos rendimentos que ainda sobravam a estas, numa estratégia de empobrecimento geral que não é preciso ser nenhum doutorado em Economia para saber que não vai levar a lado nenhum, basta ter senso comum. Rima e é verdade! Mas o senso comum é algo que este grupinho de meninos sem noção da realidade que compõe o actual Executivo desconhece, pois a palavra “comum” causa-lhes arrepios (e não só pela ligação a comunismo).

E porque o ex-líder da JSD têm mostrado tanto trabalho no que toca a tornar a vida de muitos um inferno, é justamente de trabalho que hoje vos quero falar, e do rebuliço que têm sido a discussão á volta das medidas para esta matéria tão importante para a vida dos portugueses.

Uma das grandes bandeiras do neoliberalismo reside na flexibilização do mercado de trabalho. E, sou sincero, poderia mesmo não ter nada contra esta premissa. O mundo está em permanente mudança, e o mundo do trabalho não é excepção á regra. A noção de “trabalho para a vida” tende a desaparecer, porque as pessoas no geral estão mais ambiciosas e cada vez mais procuram melhores condições de remuneração, nem que isso implique sair uns quantos quilómetros da sua zona de conforto (não confundir com a zona de conforto a que Alexandre “Chico-Esperto” Mestre chama a situação de desemprego). E também porque há uma maior exigência do mercado, e o cumprimento de objectivos a que uma empresa se propõe não se compadece com a acomodação e estagnação dos seus trabalhadores, pois sem a sua evolução a empresa não evolui. Até aqui estou de acordo.

Mas, como parece ser tendência actual quando princípios teóricos e política se juntam, a ideia desta flexibilização é completamente subvertida por este Governo, que a tenta usar como móbil de uma série de medidas que têm dois objetivos principais:

- Redução da proteção aos trabalhadores – Por muito que fale em incentivar a empregabilidade, do Governo apenas se tem visto medidas para facilitar o despedimento. À falta de poderio eleitoral para alterar a fundo as Leis do Trabalho (penso que algumas implicariam uma revisão da Constituição, e para isso seria necessário uma maioria de 2 terços), a indeminização por despedimento foi reduzida 20 dias pro cada ano de trabalho. Não contentes com isso (este valor até poderia considerar adequado, pois o nº efetivo de dias de trabalho num mês anda á volta disso), vem aí uma nova redução desse valor para uns escandalosos 8 a 12 dias. Conclusão: Tarefa facilitada para o patrão na hora de despedir e pagar a compensação devida.

- Imposição de trabalho não-remunerado – Também essas já são conhecidas. Meia hora extra por dia no setor privado e remoção de 4 feriados, 2 civis e 2 religiosos. Mais algumas estarão de certeza na forja, e saberemos delas a seu tempo.

Primeiro que tudo estas medidas revelam uma confrangedora HIPOCRISIA, pois o trabalhar mais que as 40 horas estabelecidas já há muito que é uma prática comum em muitas empresas no setor privado, sem qualquer custo adicional para estas. Porventura, nalguns setores produtivos, nomeadamente o fabril, poderia ter alguns efeitos, porque quando é necessário é acordado o trabalho extra. E aqui entra a grande vantagem desta medida: Essa meia hora é gratuita para os patrões, não entrando para as contas.

Mais hipocrisia ainda na questão dos feriados, que veio á baila pelo medo das pontes. Porque no setor privado as pessoas fazem ponte tirando um dia das suas férias, ganhas através do seu trabalho, ao contrário do setor público, onde é costume ser um dia oferecido, que não conta como férias. Aqui sim, está um erro crasso que deve ser eliminado.

Se o transtorno é muito, uma empresa privada até pode mesmo optar por não conceder esse dia de férias, por razões de serviço. Conclusão: É tão somente mais um dia de trabalho ganho pelos patrões, e que, acima de tudo, deixa de ser pago a dobrar como antigamente.  Digno de palmas é também o facto de passarmos a ser dos primeiros países, talvez mesmo o primeiro, onde dias como a Restauração da Independência e a Implantação da República são considerados de tão pouca importância que não são feriado nacional.

Nada nestas medidas me surpreende nem me apanhou desprevenido, porque não é necessário ser um doutorado em Ciência Política (e eu não sou, nem sequer um bacharel) para se saber que esta vaga neoliberal anda de braço dado com o patronato, não sendo portanto necessário dar mais explicações para o facto de as medidas que têm sido anunciadas apenas beneficiarem um dos lados de uma relação que se deveria querer saudável entre patrão e empregado, tornando-o ainda mais dominante sobre o outro. E conhecendo-se a tendência para o abuso de muitos elementos do patronato, eles não tardarão a aumentar, fruto da política do medo legitimada pelas medidas que se anunciam.

There's room at the top they're telling you still
But first you must learn how to smile as you kill
If you want to be like the folks on the hill

A working class hero is something to be
If you want to be a hero well just follow me
                                                     John Lennon – Working Class Hero