sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Põe essa mentalidade a avançar, Portugal!

Dedico este texto ao irmão do meu amigo Diogo Meira, que me pediu para tecer algumas considerações acerca do aborto, um tema controverso mas sempre de crucial discussão. E para temas polémicos... estou cá eu!

O aborto assume-se, sem dúvida, como um dos mais polémicos temas de toda a história da humanidade e que ganhou relevo nas últimas décadas do século XX e em todo este novo milénio, nomeadamente pela questão da despenalização. Em Portugal, já se celebram mais de quatro anos do SIM à despenalização do aborto. Unanimidade? Nem vê-la!

Em primeiro lugar torna-se importante desmistificar esta ideia: os abortos não são um acto recente, não despoletaram nos últimos anos. Além do aborto espontâneo, que se revela impossível de prever e que constitui uma fatalidade biológica, o aborto ilegal fez sempre parte da obscura história da Mulher, dominada por um poder avassalador da igreja e, consequentemente, de toda a sociedade.

O chamado "vão de escada" levou à morte de milhões de mulheres em todo o mundo, e o número aumenta a cada minuto que passa. Essa precariedade verdadeiramente desumana tem que terminar! E a verdade é que os avanços médicos permitiram uma verdadeira revolução nesta prática com a introdução do aborto induzido.

Como certamente já perceberam, afirmo-me 100% a favor do aborto induzido. Por um motivo muito simples: estamos a falar de um procedimento médico acompanhado com um elevadíssimo nível de segurança e taxa de sucesso para uma mulher que, por um motivo fortíssimo, não se sente minimamente capaz de ter a criança. Trata-se de uma questão de saúde, de defesa e de respeito pela Mulher.

Sabemos que o aborto induzido está longe de ser uma prática unânime. Relembro aos mais esquecidos que a despenalização do aborto foi referendada duas vezes no nosso país e que só na segunda votação foi aprovada, com números bastante equiparados. É uma questão de cultura e de mentalidade do país, e a verdade é que Portugal ainda está longe de aceitar novas tendências, novas práticas, novos conceitos sexuais, amorosos e familiares de forma ampla. Falo da homossexualidade/bissexualidade; adopção de filhos por casais do mesmo sexo; a união de facto; o divórcio, etc. Enfim um sem número de novas realidades onde se inclui o aborto não pela problemática médica, mas social.

Na minha opinião existem motivos os quais nem o mais céptico, o mais religioso, o mais tradicional pode manifestar-se contra um aborto induzido. Uma mulher que seja violada e que carrega esse fardo e esse trauma consigo para o resto da sua vida tem a possibilidade de engravidar por consequência desse acto tenebroso que com todas as suas forças tentou evitar. É justo que esta vítima, muitas vezes nova, virgem até, tenha que ter a criança se não for sua vontade? Se a vítima apenas olhar para o feto e, mais tarde, para o bebé como um constante relembrar do pior momento da sua vida... é humano obrigá-la a ser a mãe que não deseja ser? Estendi-me um pouco neste exemplo em particular, pois é o que mais me revolta. Mas existem tantos outros, desde malformações congénitas que impedem o ser de viver na verdadeira acepção da palavra. Falamos de bebés que por vezes respiram, se alimentam com a ajuda de máquinas, com uma total ausência de gestos, olhar e emoções. Quando estas fatalidades acontecem e são detectáveis durante a gravidez, penso que a mulher, o casal, tem o direito de tomar a opção de ter ou não a criança. Por vezes a gravidez revela-se tão "de risco", que coloca em grave perigo a saúde da mulher e do filho. Quando a possibilidade de sobrevivência de ambos é mínima, e com cicatrizes físicas e psicológicas irreversíveis, penso que também aí o aborto induzido tem que ser considerado como uma verdadeira salvação.

As vozes contra este aborto induzido, que na prática são contra o aborto em geral (pelo menos não me parece credível que alguém seja contra o aborto induzido e defenda o ilegal, não é lógico sequer) referem-no muitas vezes como um grande problema, acusando as mulheres de o ver quase como um novo método contraceptivo. Sim, é verdade, já ouvi este argumento vezes sem conta. Nada mais errado e nada mais idiota, perdoem-me a expressão. Os homens (sim, somos sempre nós) que o dizem não imaginam, de facto, o que é estar na pele da mulher perante tamanho dilema. Mesmo o aborto induzido é um processo extremamente duro a nível fisiológico e sobretudo a nível psicológico. Se entrevistarem qualquer rapariga que tenha passado por isso, verão que ela nunca mais foi a mesma. As mulheres sempre foram o ser dos sentimentos, o ser maternal. Imaginem então a dificuldade e o turbilhão emocional que será tomar a decisão de "apagar" um início de vida, dentro do nosso ventre. Tive a oportunidade de trabalhar numa grande reportagem da TVI acerca do tema, por isso garanto-vos que sei do que falo, nesse que foi um dos dias mais marcantes da minha vida profissional.

Muito mais poderia ser dito sobre este tema, mas penso que estas são algumas das minhas mais importantes crenças (a religião está sempre presente, já repararam?). Defendo o aborto induzido no quadro legal existente, é um direito que assiste às mulheres. E toda a lei que permita dar voz e opção às pessoas, eu sou a favor. É o caso!