
Ainda agora comecei a escrever este texto e já sinto um conforto a aquecer-me a alma. Adoro regressar ao passado, e enquanto me desloquei ao austero armário do corredor da minha casa para pegar numa enciclopédia "viajei" até ao meu ensino primário, a fragrância tão característica do papel e da capa dura destes livros.
Ora vamos lá ver o que é a Portugalidade: qualidade do que é português; sentido nacional da cultura portuguesa.
Eh pa! Perfeito! Estas concisas definições acabaram de estruturar o meu pensamento. Abram alas para a primeira parte:
"A QUALIDADE DO QUE É PORTUGUÊS"
Ligo e dedico este conceito de Portugalidade a todas as pessoas que em todos os cantos do Mundo defendem, muitas vezes inconscientemente, a boa imagem do nosso país lá fora. Os nossos emigrantes.
Nós não temos, ou fingimos não ter, a noção de como estas pessoas são cruciais na imagem projectada por Portugal numa outra qualquer nação. Basta o João ir de erasmus para a Itália e ser simpático, acolhedor, bem-disposto, enfim "fixe"; para que todas as pessoas que o conheceram, numa qualquer conversa, fiquem exactamente com esta ideia: OS PORTUGUESES SÃO FIXES! O João, sozinho, acaba de converter cerca de 11 Milhões de cabisbaixos portugueses em pessoas bem-dispostas, sorridentes, fixes! Isto acontece de verdade, e para mim revela-se absolutamente tremendo. O mesmo se passa com quem vai trabalhar com mais ou menos escolaridade e decide permanecer num país que não o seu com o desejo de um dia regressar à pátria.
Mas a pátria quer o Sr. Emigrante de volta? Não me parece! É menos um para complicar o nosso tão complexo sistema social. O senhor até pode ser bem recebido pela sua família e amigos, mas o país não o quer cá. Diria mais, cria as condições para que ele não permaneça em solo lusitano. Existe um claro renegar social da nossa classe emigrante, não gostamos muito da sua presença, principalmente quando a dedicação ao trabalho e a uma vida dura além-fronteiras nos traz alguns estrangeirismos. "Lá vem o avec, lá vem o cámon!", dizemos insistentemente. Irritamo-nos com a sua demora em instituições como as finanças ou os correios e estamos tão cegos ao ponto de não percebermos que, quase sempre, a culpa está do lado de lá do balcão. "Nunca mais se vão embora" é a cruel frase mais repetida pelos "portugueses de portugal" no mês de Agosto.
Não defendemos a Portugalidade. Não defendemos a qualidade do que é português. O cancelamento das comemorações do Dia de Portugal (quando é mesmo, vocês sabem?) em vários países de influência portuguesa foi notícia. Há dias foram despedidos professores em várias escolas da Suiça, deixando centenas de alunos sem a possibilidade de aprenderem o português, "devido a uma situação orçamental extraordinária", dizem os políticos gordos. Esses tostões vão custar a perda de muitos portugueses. Portugueses que muitas vezes já não o são no B.I, mas que por força dos pais ou dos próprios, querem manter acesa a chama da pátria, a possibilidade de gritar bem alto e em português. Agora só podem gritar! Mas quem governa não quer saber, porque a Portugalidade não vem sobre a forma de notas e moedas.
Pensamos que os jovens abandonam o país envergonhados pela situação nacional. Mas foram esses mesmos jovens que foram "escorraçados" pela Secretário de Estado da Juventude Alexandre Mestre, clamando a necessidade de os jovens emigrarem. A classe política tem vergonha do seu próprio país, acusa quem está fora, enfim... uma total ausência de valores que me faz fazer "cara de nojo" em frente ao ecrã do meu computador agora mesmo.
"O SENTIDO NACIONAL DA CULTURA PORTUGUESA"
Ou o não sentido, neste caso. Curiosa esta definição pois entendo que este fim eminente da Portugalidade se prende com o abandono cultural geral a que este país se votou. Há responsabilidades políticas neste fenómeno. Dir-nos-ão que a Portugalidade somos nós que a fazemos. Verdade! Todos os dias a fazemos no contacto com as outras pessoas, no nosso brio pessoal e profissional, na nossa conduta além-fronteiras. Mas não é tudo! O João pode ser fixe em Itália, e por isso Portugal inteiro ser fixe para aqueles italianos, mas é uma realidade que não dura para sempre e que se revela manifestamente insuficiente. As altas instituições de Estado, nomeadamente as da Presidência da República, têm que dar um outro tipo de atenção a este problema. Não é deslocando o nosso cavernoso Presidente da República para umas quantas visitas mal planeadas que colocamos Portugal na rota dos acontecimentos, em primeiro plano na agenda.
São necessários eventos, estímulos, medidas que unam todos os nossos emigrantes, de curta ou longa duração, de primeira ou quarta geração, em torno de um valor comum: Portugal! E mais do que eles ninguém quer. Quem está fora sente mesmo muitas saudades (essa nostálgica palavra, a mais portuguesa de todas) seja do tempo, da comida, das discussões de futebol, das praias, dos sotaques... enfim de toda essa massa de valor incalculável o que é a nossa pátria. E são muitas pessoas queridas que estão longe a dizer-me o mesmo e acredito nelas como em mim próprio, pelo que conclui que o orgulho e respeito nacional fazem parte dos nossos emigrantes, está-lhes no sangue! Também já tive a minha dose de cepticismo, confesso. E confessar é prova de humildade, e a humildade prova de carácter. Uau, que bem me sinto!
A verdade é que estamos a chutar, a espezinhar e a empurrar o nosso país para a insignificância. E se há coisa que não somos é insignificantes: ninguém definiu tão cedo as suas fronteiras; descobrimos meio mundo, somos a quinta língua mais falada do planeta, temos um sem número de características físicas e humanas que se assumem como património da humanidade! Pelo amor de Deus, nós só nos revelamos insignificante nas notas e nas moedas, que temos tão poucas!
Ah! Mas agora é só isso que interessa, peço desculpa! Eu e a minha ingenuidade, realmente...