Tenho como dado adquirido que há muito tempo que a classe política deixou de ser um grupo de gente de ideais, com espírito de missão pela Pátria e com o objetivo de a levar a um bom rumo. O muito poder que acarreta estar ligado a este grupo privilegiado transformou o idealismo em oportunismo, e o espírito de missão passou a espírito de sobrevivência para garantir a manutenção na elite deste nosso cantinho. E ninguém domina essa “arte” tão bem quanto o impagável Professor Aníbal Cavaco Silva. Arte entre aspas, pois claro, pois esta palavra está normalmente ligada a coisas positivas.
E isto porquê? Porque para além de sobreviver como muitos o fazem, ainda o consegue fazer transportando sobre si uma aura de credibilidade e competência que só num país de memória volátil um político destes é capaz de manter. Claro que sou apenas uma gota num oceano de mais de 10 milhões de almas, mas posso-vos refrescar essa memória com um conjunto de contradições e atitudes reprováveis:
- É frequentemente visto como um economista de respeito, mas, partidarismos á parte (não apoio o PS nem PSD), foi sob o seu comando que este monstro da dívida que enfrentamos atualmente nasceu e viveu os seus primeiros anos como um bebé gordinho e saudável. Tempos de vacas gordas, onde biliões e biliões de euros destinados ao desenvolvimento do País foram desperdiçados em alcatrão e no luxo de alguns.
- Defende que o país precisa de uma agricultura e pescas sólidas, mas foi ele mesmo que deu a machadada final nestas, encaminhando os fundos que vinham da Europa para desenvolver … para pagar a não produção. Escandaloso para um país com todas as condições naturais para ser uma referência europeia nestas duas áreas.
- Foi também sobre o seu comando que a Função Pública se começou a tornar num fardo para as contas públicas, promovendo entradas nos quadros sem qualquer tipo de controlo, e assegurando a progressão automática nas carreiras sem qualquer relação com o mérito do trabalho, sendo isto válido para os professores também. Não espanta então que não queira interferir na avaliação destes, e que balbucie umas críticas envergonhadas aos cortes, dizendo que devia haver equidade… Remorsos?
- A Segurança Social atravessa dias difíceis muito pelas benesses dadas no seu tempo, que permitiu a muitos a reforma antes dos 50 sem qualquer penalização, e o direito á reforma de deputados que exercessem uns quantos anos de legislatura. Um paraíso para Marques Mendes e outros que tais.
- Parece querer demarcar-se a todo o custo de escândalos como o BPN, mas neste estão envolvidas pessoas com quem sempre andou de braço dado, como Oliveira e Costa e Dias Loureiro, estando o seu nome envolvido também como beneficiário de lucros no mínimo duvidosos.
- Cometeu o crime de recusar uma pensão de sobrevivência ao Capitão Salgueiro Maia, atribuindo a mesma a dois antigos inspetores da PIDE. Bom, se calhar não é de estranhar a quem recentemente se referiu ao Dia de Portugal como o “Dia da Raça”, designação dada nos tempos de Salazar.
- Conseguiu, na última campanha eleitoral, manifestar pena pelos cortes na Linha do Tua e lamentá-los, quando foi sobre o seu comando que se acabou com 800km de ferrovia… e foi dado o primeiro corte nesta linha. Daí o seu incómodo perante um cartaz que apareceu na sua visita, a perguntar se tinha vindo de comboio.
- Mostrou um confrangedor partidarismo, com uma série de críticas subtis ao PS devido á situação económica do país, e muitos dos seus famosos silêncios e ausências quando lhe cabia fazer o seu trabalho de moderar o ambiente político. Quando o Governo mudou de cor, pasme-se, a crise já passou a ser á escala europeia, e chegou até a criticar as agências de rating e a culpá-las por uma boa parte da crise... Mais vale tarde que nunca, mas fazê-lo apenas depois de a cor política do Governo já ser a do seu agrado é por demais questionável. E não o disfarça, pois em três meses de Governo PSD já falou mais que em 6 anos de PS.
E muito mais situações haveria para referir, mas creio que a minha ideia principal já passa com este enumerar de situações. É óbvio que este senhor não é o único culpado de tudo isto que vivemos, e que também podemos argumentar que algumas das situações são apenas mais uma página no nosso historial de desperdício que já vem desde os tempos em que usávamos os rendimentos das especiarias que vinham da Índia para importar coisas que poderíamos produzir aqui.
Agora acho de facto que estamos perante um verdadeiro caso de estudo. A forma como este “grande economista”, este “político de confiança” e este “exemplo de competência” consegue ainda ser visto, a julgar pelos resultados das eleições (eu sei que metade das pessoas não vota, mas os resultados finais são os que contam), como alguém a quem podemos confiar os nossos destinos, é “admirável”.
Consegue-o através do silêncio e do não comprometimento quando deveria dar a sua posição sobre matérias sensíveis e de saídas de cena oportunas quando se vislumbra um desastre nas urnas. Resulta sempre, e esta sua história de sucesso já dura há mais de 20 anos, mesmo com um sem número de situações que custaria a cabeça a qualquer político menos sabido. Toda esta estratégia, se escrita num qualquer livro, seria com toda a certeza livro de cabeceira de todos os atuais candidatos a políticos em Portugal.
Eu dispenso, e continuarei sempre a colocar as aspas nas expressões que referi acima quando as tiver que aplicar ao Professor Cavaco Silva. Mas quem sou eu perante pelo menos dois milhões e meio de portugueses que nele votaram? Aceito isso mas não me associo, pois não preciso (ainda) de zinco para combater a falta de memória.
“Gostam muito de falar
Aparecer em público
Na televisão
Mantém o povo estúpido Com sorrisos de enfeitar
Não dizem nada de novo
Posam para a fotografia
Sorriem para o povo”
Aparecer em público
Na televisão
Mantém o povo estúpido Com sorrisos de enfeitar
Não dizem nada de novo
Posam para a fotografia
Sorriem para o povo”
Censurados – Srs. Políticos