sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A esquerda estava indecisa? Agora já não está!

O discurso do nosso futuro ex-Presidente da República não trouxe qualquer novidade ao debate político. A decisão de Cavaco Silva estava tomada há muito tempo, e todos sabiam, à partida, qual seria. Por vontade do Presidente da República, Pedro Passos Coelho governaria nem que tivesse 5% dos votos. Ainda que fosse esse o meu desejo, não foi o que aconteceu. A coligação teve 38% dos votos, e apesar de haver uma maioria de esquerda no parlamento, foi a força mais votada.

Tendo em conta o que aconteceu, não só se compreende, como se aceita, que o padrinho da direita em Portugal tenha chamado os afilhados para formar governo. Esta é uma decisão legítima, que pode ser criticada, mas que, do meu ponto de vista, é a mais acertada. O Presidente da República não pode antecipar-se aos factos, e quem deve derrubar o governo, se for esse o seu entendimento, são os deputados, que o farão ao abrigo da legitimidade conferida por 51% dos eleitores, que expressaram nas urnas uma vontade clara e inequívoca de mudança.

Claro que esta "vontade clara e inequívoca" é subjectiva. Trata-se, neste caso, da minha opinião, da interpretação que faço dos resultados, e poderá estar errada, tal como poderá estar errada a leitura do Presidente da República, que decidiu indigitar um governo minoritário, quando há umas semanas colocou como condição "sine qua non" a existência de acordos entre partidos, para "garantir a estabilidade" da governação.

Perante o acordo pré-estabelecido entre o PS, BE e PCP, Cavaco Silva escondeu a cabeça debaixo da areia, um hábito que lhe é comum, e deu o dito por não dito. Pelo meio, ficamos a saber que não interessa o que os portugueses votam, mas sim o que os mercados pensam. Descobrimos que apenas "forças europeístas" podem governar, independentemente do que acontecer nas urnas. E ficamos informados do grande receio que o Presidente tem relativamente à "queda de confiança dos investidores" (o que terá provocado uma grande gargalhada nos lesados pelo BES).

Em suma, o actual panorama político resume-se a isto:
1) A direita europeia acha que é a grande defensora da União Europeia e do Euro, quando, na verdade, tudo tem feito para destruir estes projectos. Os indicadores não enganam: o crescimento é irrisório, o investimento patético, as desigualdades não param de aumentar e os países da periferia começam a perceber, finalmente, que a austeridade não tem outro propósito que não seja torná-los em fornecedores de mão-de-obra qualificada e barata.
2) O principal receio do Presidente da República é a "confiança dos investidores". Não são os desempregados. Não é a emigração. Não são os pensionistas. São os investidores (não os do BES, certamente).
3) Para o Presidente da República há um milhão de votos que não conta para nada. Porquê? Porque ele acha que essa gente é estúpida, mal informada e extremista. É normal acharmos isso uns dos outros (não será o que achamos de Cavaco?), mas não é o que se espera ouvir de um Presidente da República, cuja principal função é ser isento, e cumprir a Constituição (já não era mau se a conhecesse).
4) O país está dividido, discute o seu futuro, e isso é óptimo. Faltava política neste país, nesta Europa. A democracia não é um fardo, e não tem de estar subjugada a outros interesses que não sejam os da liberdade e os da igualdade. Todas as ditaduras caem. Todas! E a da austeridade não será excepção.