quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O mito e o homem

Nasceste da religiosidade política dos tempos, sinergia que te moldou até hoje. Personificas entidades mitológicas diabólicas, consumistas, pródigo capitalista devorador de orçamentos familiares. Os mesmos hoje, em época de crise, criticam o corte de metade do teu subsídio, o comércio afinal precisa de ti.

Demarco-me de opiniões, cada um cuida do seu umbigo como assim lhe convier, “é cisma de metade do mundo a curiosice pela vida da outra metade, que aliás lhe paga na mesma moeda”. A beleza reside na opção, cada qual define a distinção pessoal. De regrada tradição nada tens e vivência é escolha do freguês.

A sociedade hoje persegue-nos, suga-nos atenção, exige dedicação na perceção de tanta informação. Vivemos agarrados ao tempo, impaciência generalizada, qualquer responsabilidade é incumbência urgente. Assim se compreendem os buzinões e gesticulados insultos para os desatentos. O sinal está verde e o vermelho dos peões já mandava estar em ponto de embraiagem, é dinheiro perdido por segundo. São murros na mesa e na lentidão das páginas que não se abrem num piscar de olhos. O som estridente da ligação telefónica ainda ecoa, interrompida sempre que o auscultador se desarmava do descanso. Já ninguém se lembra de ontem, quanto mais há terabytes atrás. No meio, esquecem-se momentos e pormenores que ficam, os que vão ser lembrados quando ombros e costas vergarem sob o peso da vida. Falta introspeção, aquela que nos faz ser quem somos, vivos e não autómatos na rotina do dia a dia.

O Natal não é mais do que um escape, um dia em que toda a merda da vida se quer esquecida, claro que nada é imune a sujidade tão corrosiva. Desengane-se quem só vê alegria, amor e felicidade; como em matrimónio, é na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, passado com quem mais amamos e quem mais nos ama. Por um dia merecemos alienar realidades e responsabilidades, deixar vontades e sonhos confortar a alma desgastada pela vida.